Especialistas alertam para os prejuízos físicos, psíquicos e sociais que celulares, computadores, videogames e afins podem causar, principalmente em crianças.
Já é tema de discussão há algum tempo entre pediatras, psicólogos e outros profissionais a necessidade de mais cuidado e moderação com os meios eletrônicos na infância. Nos últimos tempos, porém, as evidências científicas sobre as repercussões negativas desse estilo de vida vidrado nas telas cresceram significativamente, assim como a preocupação com o uso cada vez mais precoce e intenso de computadores, smartphones e tablets.
“Desde a entrada da internet discada no Brasil, estamos acompanhando a evolução do uso da tecnologia pelas pessoas. E o que esperávamos ver daqui a cinco ou dez anos aconteceu da noite para o dia”, observa Andrea Jotta, pesquisadora do Laboratório de Psicologia em Tecnologia, Informação e Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Tudo (ou quase tudo) migrou para o universo digital. E nos tornamos ainda mais dependentes das telas, especialmente a nova geração.
No entanto, evitar os excessos por trás de danos ao desenvolvimento físico, emocional e social continua sendo um papel dos pais ou responsáveis.
“Crianças não estão no mercado de trabalho nem dependem socialmente da internet. Vai do educador presente fazer valer essa distinção e deixá-la off, incentivando também outras atividades”, recomenda a psicóloga.
É nítido que a tecnologia já foi adotada como ferramenta pedagógica nas escolas e isso não deve voltar atrás, mas a grande questão (e preocupação) envolve o abuso para fins recreativos. Crianças e adolescentes estão cada vez mais confinados ao entretenimento digital.
“O problema se dá quando esse comportamento concorre com outras atividades, se torna exagerado e ultrapassa os limites da nocividade”, pontua o psiquiatra Guilherme Polanczyk, professor do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Para guiar os pais, entidades médicas mundo afora publicaram diretrizes a respeito. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) orienta um limite de acordo com a idade e as etapas do desenvolvimento infantil.
Para começar, nada de telas antes dos 2 anos. Evelyn Eisenstein, pediatra que coordena o Grupo de Trabalho de Saúde na Era Digital da SBP, explica que, nessa fase, a exposição a telas pode atrapalhar e atrasar processos mentais e cognitivos como a aquisição da linguagem.
Nada substitui o contato humano cara a cara. De 2 a 5 anos, o limite para a SBP é de uma hora por dia, sempre sob supervisão. Isso aumenta para até duas horas dos 6 aos 10, e, daí aos 18, chega a três horas diárias.
Os meios e recursos mais utilizados que fazem as crianças extrapolarem limites saudáveis:
Celular e tablet: não são brinquedos nem deveriam ser dados de presente aos pequenos. O acesso exige regras e controle do conteúdo.
Televisão: parece ser hoje o menor dos males e tem menos potencial viciante, desde que seja assistida de forma adequada e supervisionada.
Videogame: os jogos são os mais associados à dependência eletrônica. Perda do sono, estresse e agressividade estão entre as consequências.
Redes sociais: a promessa era aproximar as pessoas, só que o abuso isola, aumenta o risco de ansiedade e depressão e a exposição ao bullying.
Há limites e limites
Achou os limites da SBP rígidos demais considerando estes novos tempos? Há quem defenda medidas ainda mais radicais. O neurocientista Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França, aconselha evitar as telas até os 6 anos de idade.
Ele expõe dados e argumentos que impressionam — todos baseados em sua experiência e em estudos que comprovam os perigos de tanta exposição a telas na infância.
O fato é que crianças e jovens nem sempre têm limites mesmo. “Até certa idade, o ser humano não tem formada uma região do cérebro que dá aquele aviso de que é preciso parar. Essa zona só estará madura entre 20 e 24 anos. Então até lá é preciso que os adultos responsáveis os ensinem e supervisionem”, esclarece Andrea.
Só que a indústria de entretenimento eletrônico e as redes sociais não facilitam as coisas para os pais. A maioria dos programas e dos dispositivos hoje é extremamente intuitiva e envolvente. É fácil aprender a mexer e passar horas e horas conectado ali. Por isso, alguns especialistas defendem a introdução mais tardia das telas.
Desmurget afirma que a exposição precoce pode fazer com que o pequeno se desvie de seus aprendizados essenciais, fechando janelas cerebrais que não se abrirão depois para capacidades como concentração, reflexão e interação social.
“As telas podem privar as crianças de estímulos e experiências essenciais dificílimos de serem recuperados mais tarde”
O neurocientista frisa que, salvo ferramentas educativas ou desenvolvidas para ajudar em tratamentos específicos, as pesquisas não comprovam que as habilidades adquiridas no meio virtual se estendam para a vida real.
Mas essa quantidade de estímulos não estaria mudando a anatomia do cérebro dos jovens superconectados? Pode até ser, mas o cientista francês faz questão de avisar: “Todo estado persistente e/ou toda atividade repetitiva modificam a arquitetura cerebral. Certas zonas se tornam mais espessas, outras mais delgadas; algumas vias de conexão se desenvolvem, outras se estreitam. Isso é próprio da plasticidade cerebral”.
Nesse sentido, Desmurget explica que, em muitos casos, um córtex (a camada superficial do cérebro) mais fino é funcionalmente mais eficiente. “O quociente de inteligência (QI) do adolescente e do jovem adulto é desenvolvido em associação a um estreitamento progressivo
do córtex em inúmeras zonas, especialmente as pré-frontais, que os estudos relativos à influência dos videogames descreveram como sendo mais espessas”, relata.
Sob esse ponto de vista, os games não tornam as crianças mais espertas — estaria mais para o oposto. Convém ressaltar que os prejuízos se acentuam à medida que aumentam as horas de tela. E englobam, além dos jogos eletrônicos, redes sociais, chats, vídeos… Há efeitos físicos (ganho de peso), psíquicos (ansiedade) e intelectuais (mau desempenho escolar). Tudo depende da idade e da exposição. E o preço que a saúde paga pode ser bem alto.
Os efeitos do excesso
Quando não há limite no uso das telas, há impactos no desenvolvimento físico, mental e intelectual:
Mais Sedentarismo: trocar as atividades físicas e ao ar livre por horas e horas de TV, celular ou computador leva ao comportamento sedentário e, por tabela, ao ganho de peso.
Mais Miopia: o Conselho Brasileiro de Oftalmologia divulgou uma pesquisa nacional que mostra que sete em cada dez médicos registraram aumento nos casos em pessoas de até 19 anos.
Mais Cognição: o bombardeio tecnológico pode respingar na forma de problemas de atenção, concentração, memória, aprendizado e, na esteira disso tudo, abalos no desempenho escolar.
Mais Emoções: a liberação desordenada de hormônios e neurotransmissores é capaz de gerar quadros de ansiedade, irritabilidade, depressão e dependência.
Mais Solidão: a comunicação virtual não substitui a interação pessoal. Assim, indivíduos superconectados podem viver isolados da família e de amigos e reféns de problemas psíquicos.
Mais Sono: as telas atrasam o horário de ir para a cama e encurtam a duração do descanso. Além disso, a exposição à luz artificial atrapalha a liberação do hormônio do sono.
Então como evitar que as telas tomem conta de nossas vidas?
Não é preciso ser radical. Não é necessário ir contra ao uso da tecnologia. Mas é fundamental buscar e extrair apenas o melhor dela. Por meio de uma educação digital. A ideia é ensinar às crianças a noção de que, a exemplo dos alimentos que ingerimos, o consumo eletrônico pode ser benéfico ou tóxico para a saúde. Depende da quantidade e da qualidade.
Mas, antes começar a impor regras para os filhos, netos ou sobrinhos, é importante fazer uma autoanálise. Porque os adultos são exemplos para as crianças e jovens.
Numa sociedade que tem valorizado tocar mil coisas ao mesmo tempo, não desconectamos, trocamos mensagens e e-mails o dia inteiro, vivemos em aplicativos… Enfim, não saímos das telas. E, se pararmos para pensar, vamos perceber que, tantas e tantas vezes, isso acontece na frente dos pequenos.
Chegamos a responder às perguntas deles sem nem sequer tirar os olhos do celular. É um péssimo espelho. Assim, não basta impor normas e restrições quando nem a gente sabe ou quer aplicá-las.
“Se cada um estiver imerso no seu celular a todo momento, será impossível convencer uma criança que isso não é bom para ela”, resume Andrea.
“Vivemos um ponto de inflexão. Não sabemos quais rumos a tecnologia vai tomar, mas sabemos que isso não tem volta. Só fazendo um uso equilibrado e apostando no protagonismo humano tornaremos o convívio com o digital mais saudável”, diz a psicóloga da PUC-SP.
Deslogar também é preciso, e pede a cooperação da família toda. Afinal, precisamos estar mais conectados com as pessoas — de preferência, olho no olho.
Fonte: Revista Veja Saúde – https://saude.abril.com.br Por Daniella Grinbergas